As palavras certas #2


O meu corpo é fraco. E as vezes que a minha mente lhe berra aos ouvidos para que se mexa não são suficientes. Às vezes o corpo não cede e o peso da minha irresponsabilidade sobrecarga-me os ombros, as costas, os pulmões - uma camada de fumo espesso exala da minha alma como se tudo o que ela soubesse ser fosse uma chaminé - sou até capaz de jurar a tudo o que não acredito que quero, sim, que vou, claro, que faço, pois. Mas não me mexo. Ainda bem que não sou crente, não é? É provável que seja por falta de coragem, ai de mim comprometer-me a algo devotadamente. Não tenho estofo. É preciso força para acreditarmos em nós mesmos, mas é preciso um estofo danado para fazer algo com isso. E eu vou deixando que as ondas que formam as minhas mundanidades me drenem da minha energia, da minha criatividade e da minha essência. Perco-me nelas mas continuo a berrar. E eu berro até ficar rouca. Berro até tudo o que possa soar em mim se resumir a fios de voz exaustos. Não vos posso dizer nada sobre mim sem passar pelo facto de que sou aquela que mais acredita na pessoa que sou e a mesma que não mexe uma palha por mim também. Dizer-me que a culpa não é minha já não funciona; a mesma desculpa de anos começa a perder a aderência à parede, como um pega-monstros velho, que de olhar para a tentativa já dá pena. E o único monstro que não descola de mim sou eu: o lado que eu não suporto ter, mas que me emaranho e me embrulho como se se tratasse do único cobertor na minha cama enorme e proporcionalmente gelada - é tudo aquilo que eu conheço, o aconchego e o calor do hábito que conforta. Que queima. Que mata. Outra e outra e outra. Mas é só mais desta. Destas quantas mais vezes? Vezes que não conto por embaraço, mas o meu íntimo fá-lo e ele já evita olhar-me nos olhos há alguns meses. Acho que é seguro dizer que estou viciada no negativo da minha fotografia e ainda assim embarco numa busca constante pela obra de arte que se esconde no reverso da folha e pelos berros que um dia espero que sejam melodias afinadas a par de um bom saxofone e guitarra. O Jim Carrey diz que a depressão não é nada mais do que o cansaço mórbido do nosso espírito de ser a personagem atual que encarnamos, e que a solução é darmos-lhe descanso, para posteriormente nos reinventarmos. E eu que só sei ser eu? Só eu e pouco mais ninguém. É possível que seja defeito de fabrico da carcaça. Mas a carcaça sabe ser bem mais do que só carapaça, ou pelo menos o meu eu esperançoso assim mo berra. Acendo um cigarro e mexo-me para provar que consigo. Amanhã é outro dia para me provar errada, e para voltar a aprender a tocar guitarra.