Viagens de carro e pep talks com o meu pai


Quem me conhece, sabe o quanto adoro andar de carro. A conduzir, no lugar do passageiro ou no banco de trás. Em particular, com o meu pai. As melhores memórias que tenho de nós os dois, são todas dentro de algum dos seus carros. Oh, e o meu pai adora-os a todos de morte, um pouco como eu o adoro a ele. Eu nunca me importei muito com a mecânica por detrás, nem com as marcas ou a quantidade de cavalos de cada um, mas vê-lo conduzir sempre me fascinou. Fazia-me sentir livre e segura, mesmo quando estávamos perdidos na estrada (ainda hoje suspiro sempre que ele me diz "sei um atalho") ou mesmo quando estávamos atrasados para o que quer que fosse (podia mesmo ser qualquer coisa, porque como a minha mãe nos diz várias vezes, "não temos horas para nada". Eu cá gosto de achar que vivemos os dois ao nosso próprio ritmo e esse não é compatível com a estrutura temporal atual). A única coisa que importava e que não podia faltar era ter o rádio a funcionar. E a verdade é que nunca faltou, nem que fosse a dar músicas do Tony Carreira em loop durante 6 horas numa viagem até ao Algarve. Todas estas viagens, umas mais demoradas (propositadamente) do que outras, deram sempre origem a conversas importantes. Eu vou estar a queixar-me por não ter encontrado o produto em promoção que queria à venda no supermercado, e o meu pai vai tornar isso numa lição de vida em três tempos. Uma das mais importantes até hoje, acho que foi "lida com um problema, quando tiveres um problema". Parece básico, não é? Mas para alguém como eu, que tem sempre os pensamentos a mil à hora e que sofre demasiado por antecipação, faz o maior sentido do mundo. Regendo-me por esse princípio, na passada quinta-feira, eu tinha um problema. Eu tinha um problema e não queria lidar com ele. Já passava da hora de jantar e eu e o meu pai estávamos no carro (claro). Não me lembro bem de como começou a conversa e de como esta foi parar ao núcleo do meu problema, mas foi, até porque o meu pai tem um jeito especial para isso (se a essência das pessoas for feita de alguma coisa, a minha e a do meu pai são feitas da mesma). Ele estava a falar-me de como era importante termos na nossa vida um companheiro que nos motivasse e apoiasse, que trouxesse ao de cima o melhor de nós, sem nos abafar, que nos deixasse brilhar, que acreditasse em nós e nas nossas ideias, sabem? Era assim tão ridiculamente simples como soava, no entanto a pessoa que eu tinha escolhido para ocupar esse lugar, era o contrário de todos aqueles pressupostos. A pessoa que eu queria ao meu lado, nem para criticar servia. E dei por mim a contar tudo ao meu pai. "Eu sou um bom mecânico" disse-me ele ao fim de algum tempo, e eu concordei. "Já tive pessoas a dizer-me que sou o melhor, e outras que me disseram o oposto. Muitas vezes, essas pessoas que tanto me elogiaram, traíram a minha confiança e acabaram a espezinhar o meu trabalho de maneiras que quem o criticou nunca poderia" fez uma pausa para puxar do cigarro, e continuou "quem tentou criticar, raramente o fez com fundamento, e se me perguntares, coitados deles se algum dia tiverem que mudar um pneu sozinhos" riu-se, e eu ri-me com ele "o que quero dizer é: Joana, não importa se dizem maravilhas ou se acham que o que fazes é uma merda, isso é com eles. O que importa é que tu acredites em ti, sempre com a mesma confiança, independentemente do que te digam. Só tu é que conheces o que está por trás do teu trabalho" eu assenti "e para além disso, quem é esse gajo para te dizer se o que fazes é bom ou mau, se ele não faz nada?" Deixei-me absorver toda a conversa. Foi como se o meu pai me tivesse pegado ao colo e eu finalmente tinha conseguido ver o problema de cima, e não no meio dele como me deixava estar há demasiado tempo. A verdade era aquela, e parecia que só agora é que eu a estava a ver às claras. Sorri. Foda-se, pensei, deve ser mesmo frustrante não fazer nada.